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Abr 3, 2022 | Media | 0 comments

Como a pandemia afetou o cérebro das crianças?

Um artigo da CNN Portugal que contou com a participação da Psicóloga Clínica infanto-juvenil e Coach, Nathalie Marques, da nossa equipa.

Dificuldades de aprendizagem, medo de mostrar o sorriso e mais frustração. Como a pandemia afetou o cérebro das crianças

 

Segundo Nathalie Marques, psicóloga e coach infantil na Academia Transformar, em Lisboa, o impacto da pandemia – que vai para lá da doença em si – é notório e poderá arrastar-se ao longo do tempo, sobretudo se nada for feito para mitigar alguns dos danos que saltam de imediato à vista. “Temos de olhar para isto em várias fases: há impacto, mas há mudanças que vieram para ficar”, explica a psicóloga.

Embora acredite que o passar do tempo e a tendência para “normalizar” a covid-19, tal como vários países já o fazem e a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) admite como cenário mais provável, estejam a melhorar o cenário atual entre os mais novos, Nathalie Marques revela que, “quando se deu a saída dos confinamentos”, muitas crianças começaram logo a dar sinais de desgaste mental e emocional. “Na altura, nos mais pequenos havia uma tendência para humor deprimido, semblante muito triste, menos motivação, havia menos alegria”, diz a psicóloga.

Também os adolescentes ficaram à mercê da incerteza, das quatro paredes do quarto, dos rostos tapados, das emoções que ficaram por decifrar.

“Os adolescentes tinham ansiedade muito mais elevada, essa ansiedade deu-se naqueles que mudaram de ciclo, que mudaram para o 10º. ano. pois além de lidarem com ansiedade própria de mudança de ciclo, tinham de lidar com incerteza e regras na escola”, diz Nathalie Marques.

A psicóloga atira mais um fator para a conversa: as máscaras. “Eles nunca conseguiam ver professores e colegas de forma completa. Na leitura que se faz da relação ficaram a faltar elementos”, explica, embora considere que é nos olhos que está grande parte da transparência das emoções, o que permitiu que a interpretação de quem está à frente não ficasse totalmente comprometida.

Mas a frustração não vem apenas da “bolha” em que viveram nestes últimos dois anos, vem também do impedimento do imediato, do estímulo instantâneo de que tanto estavam habituados. “O facto de os jovens terem passado a usar outros tipos de ferramentas para aprender fez com que tivessem outra maneira de querer aprender, mas trouxe outras consequências: estão menos capazes de esperar, e frustram, e como frustram acabam por estar mais irritados, mas como não são tão sujeitos a ter de lidar com estas emoções não sabem trabalhá-las”, lamenta Nathalie Marques, que também dá consultas no Espaço N, em Lisboa.

Nathalie Marques não hesita em dizer que é preciso mudar o ambiente escolar e a forma como se avalia o desempenho das crianças e jovens: deve “haver no plano curricular temas semanais relacionados com competências socioemocionais”, de modo a dar ferramentas aos mais novos para entender as suas próprias emoções e as dos outros. “É urgente por tudo, a pandemia veio reforçar isto”.

Dificuldades em aprender, ler e escrever

 

Mesmo que não seja usada por crianças com menos de dez anos, “a máscara tem impacto na aprendizagem”, alerta Nathalie Marques. “Sabe-se já que houve um aumento de procura de terapia da fala porque, de facto, a linguagem passa muito por se ver a forma como a boca se move. E quando há impacto na linguagem há impacto na leitura e escrita”, esclarece.

“O facto de não se ver o rosto dos professores pode potenciar a insegurança, [a pessoa] não se sabe a 100% qual o feedback emocional do professor”, continua Nathalie Marques.

No caso dos mais novos, a questão ganha outros contornos, diz a psicóloga Nathalie Marques. “Quanto à aprendizagem, a máscara impossibilita isto nos mais pequenos, em que a aprendizagem passa pelo olhar do modelo, há crianças que nunca conheceram o rosto da educadora, muitos pais não conhecem o rosto dos professores”.

Cada vez mais desconcentrados e digitais

 

Segundo a psicóloga Nathalie Marques, “a concentração está ligada, por um lado, à motivação e temos de saber ouvir o que os mais jovens querem”, sobretudo na forma de aprender. Contudo, a especialista defende que é “preciso regular a utilização dos dispositivos tecnológicos, porque a concentração está muito ligada ao que é o retorno que cada aplicação ou jogo traz, os mais novos querem num tempo muito curto obter logo um objetivo, isto também tem de ser trabalhado”.

Na verdade, o uso de dispositivos tecnológicos não foi apenas um escape para o tédio dos confinamentos e auto-isolamentos, mas também a única forma de ensino e convívio com os amigos. Porém, importa colocar um travão no uso, apostando no equilíbrio, reforça Nathalie Marques. “Mais do que um desmame, tem de ser feita a aprendizagem de um consumo responsável destas tecnologias, não é só pormos regras e limites no uso destas coisas, temos de, da mesma forma que prevenimos o uso de outras coisas prejudiciais à saúde, ensinar os jovens a usar isto de forma consciente, sensibilizar para as consequências a curto, médio e longo prazo, sobre a forma como interfere com o bem-estar físico e emocional”.

No entanto, o aumento do uso de dispositivos tecnológicos não tem de ser apenas negativo. Segundo dois estudos publicados nas revistas científicas Language Development Research e Scientific Reports, as crianças pequenas tiveram mais tempo de ecrã durante o primeiro confinamento, em março de 2020, mas a sua linguagem não foi prejudicada e até aprenderam mais palavras do que é habitual.

“A tecnologia tem um lado positivo e um menos positivo, então vamos usar isso de forma consciente”, diz a psicóloga Nathalie Marques, que considera que o equilíbrio e bom uso deve ser desde logo incentivado pela “comunidade escolar e cultura familiar”.

 

E escondidos atrás das máscaras

Nathalie Marques também considera que os jovens “hoje escondem-se atrás das máscaras”, mas que este acessório é visto quase como uma parte da pessoa em si. “Quando desenham figuras humanas em consulta metem a máscara, isso mostra como veem as identidades um dos outros”, frisa.

 

O que fazer para reverter as consequências da pandemia

A procura de ajuda profissional é o caminho, mas práticas de mindufulness, de atenção plena, podem também ser uma mais-valia, sobretudo na concentração e no controlo da frustração, diz Nathalie Marques.

A psicóloga acredita que “estes impactos podem ser superados, porque crianças têm grande capacidade de adaptação”, mas adverte que “o trabalho passa pelos adultos”, que têm de “investir em mais atividades ao ar livre para que [as crianças e jovens] possam recuperar competências físicas e emocionais”. E tarefas simples podem fazer a diferença, assegura: “Ir para um parque implica trabalhar emoções, como a coragem e o à vontade para estar com o outro”.

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